Durante décadas, os físicos enfrentaram uma questão fundamental: quão desordenados são os buracos negros no seu interior? O problema não é apenas que não podemos ver dentro deles – é que o próprio conceito de desordem se desfaz quando aplicado a estas regiões extremas do espaço-tempo. Avanços recentes na matemática permitiram finalmente aos cientistas calcular a entropia do buraco negro, revelando uma ligação surpreendente entre o que é e o que podemos saber sobre o universo.
A História da Entropia
A ideia de entropia teve origem no século XIX, com físicos como Ludwig Boltzmann a lutar para explicar porque é que os motores perdem sempre energia como calor desperdiçado. Boltzmann percebeu que a entropia mede o número de arranjos microscópicos que produzem o mesmo resultado macroscópico. Imagine uma sala cheia de moléculas de gás: elas podem ser organizadas de inúmeras maneiras, mas apenas algumas reuniriam todas as moléculas em um canto. A entropia quantifica esse caos oculto.
Este conceito foi posteriormente estendido à mecânica quântica por John von Neumann na década de 1930. No mundo quântico, as partículas não têm propriedades fixas, mas sim probabilidades de serem medidas. Von Neumann mostrou que a entropia poderia quantificar esta incerteza inerente, incluindo a forma como os sistemas emaranhados – onde duas regiões estão profundamente ligadas – afectam o nosso conhecimento do todo.
A principal diferença é que a entropia de Boltzmann descreve o que está acontecendo fisicamente, enquanto a de von Neumann descreve o que podemos saber.
O Paradoxo do Buraco Negro
Na década de 1970, Jacob Bekenstein desafiou Stephen Hawking, argumentando que os buracos negros devem ter entropia para evitar violar a segunda lei da termodinâmica (que afirma que a entropia total do universo deve sempre aumentar). Hawking inicialmente rejeitou isso, já que se pensava que os buracos negros não tinham estrutura interna. No entanto, Hawking descobriu mais tarde a radiação Hawking, provando que os buracos negros têm temperatura – e, portanto, entropia.
Isto levantou uma nova questão: se os buracos negros têm entropia, qual é a estrutura microscópica subjacente que os cria? Alguns físicos teorizam que poderia ser um arranjo de partículas, informações quânticas emaranhadas ou blocos de construção ainda mais abstratos do próprio espaço-tempo.
Rompendo Barreiras Matemáticas
Durante décadas, os pesquisadores lutaram para fazer progressos. O problema era que a mecânica quântica trata o espaço-tempo como estático, enquanto a relatividade geral diz que ele se curva e flexiona em resposta à matéria e à energia. Esta discrepância tornou os cálculos impossíveis, muitas vezes levando a infinitos sem sentido.
Em 2023, uma equipe liderada por Ed Witten, do Instituto de Estudos Avançados (IAS), inverteu o roteiro. Eles incluíram a gravidade nos cálculos quânticos desde o início, permitindo que o espaço-tempo participasse da agitação quântica. Isso estabilizou os cálculos e eliminou os infinitos.
A Convergência Chocante
Utilizando a nova matemática de Witten, Gautam Satishchandran e os seus colegas da Universidade de Princeton calcularam a entropia de von Neumann de um buraco negro. Os resultados foram surpreendentes: a entropia calculada usando argumentos termodinâmicos (Bekenstein-Hawking) foi exatamente igual à entropia de von Neumann, que mede o que podemos observar.
Isto implica que a superfície externa de um buraco negro está perfeitamente emaranhada com o seu interior, o que significa que não precisamos de olhar para dentro para compreender a sua estrutura completa. Esta descoberta é semelhante a deduzir o conteúdo de uma sala caótica simplesmente observando a porta – uma poderosa convergência entre realidade e observação.
Implicações para o Cosmos
As implicações vão além dos buracos negros. Os mesmos princípios se aplicam ao horizonte cosmológico, a maior distância que podemos observar devido à expansão do universo. A equação de Hawking-Gibbs, que descreve a entropia de um universo em expansão, também corresponde à entropia de von Neumann.
Isto sugere que a própria gravidade pode exibir um comportamento quântico, onde diferentes observadores acessam diferentes partes do universo e moldam o que podem medir. Como observa Satishchandran: “A linha entre o que é real e o que é observável está cada vez mais tênue”.
Concluindo, essas descobertas sugerem que a entropia não é apenas uma medida de desordem, mas uma propriedade fundamental que conecta o espaço-tempo à observação quântica. O universo pode ser governado pelos limites do que podemos conhecer, e não por estruturas ocultas fora do nosso alcance.





















